O cardeal Ennio Antonelli, presidente do Conselho Pontifício para a Família, esteve presente hoje no Encontro A família e o direito, na Aula Magna da Universidade de Lisboa, a propósito dos 30 anos da Exortação Apostóloca Familiaris Consortio de João Paulo II. Em entrevista à FAMÍLIA CRISTÃ, o cardeal sublinhou a necessidade de se conjugar o trabalho e a festa na vida da família, aludindo ao VII Encontro Mundial das Famílias, em Milão.
FAMÍLIA CRISTÃ (FC) – João Paulo II disse "Família torna-te naquilo que és". O que falta para as famílias cristãs se tornarem naquilo que são?
Cardeal Ennio Antonelli (C.E.A.) – A Igreja apresenta a família como uma vocação, isto é, como uma chamada, um dom que Deus faz ao cristão – e é um dom esplêndido. O Magistério da Igreja apresenta o matrimónio como uma participação ou imagem do amor que intercorre entre as pessoas divinas e do amor que Cristo tem pelos homens. Evidentemente que isto comporta que haja uma síntese do eros e do ágape, isto é, do desejo da própria felicidade com o amor/dom/sacrifício pela felicidade do outro.
Ora, todos nós, homens e mulheres, somos pecadores. Então, o que nos falta? Falta-nos, muitas vezes, não termos uma fé verdadeira, profunda, convicta e não levarmos a sério a proposta que nos faz o Evangelho e o Magistério. Ao não tomarmos a sério essa proposta, vivemos os deveres matrimoniais como uma imposição e um constrangimento, em vez de realização e libertação.
FC – Quais são os deveres da família em vista do desenvolvimento da sociedade?
C.E.A. – Antes de mais, a família deve ser unida, deve ser procriadora e aberta à educação dos filhos, de modo que dê novos cidadãos à sociedade. Uma família que procura ser unida e aberta, cria um ambiente favorável ao desenvolvimento das virtudes sociais (a confiança nos outros, a solidariedade, a colaboração, a poupança, a sobriedade, a coragem, a capacidade de perspetivar. Essas virtudes são preciosíssimas para a sociedade.
A família não dá apenas novos cidadãos, dá também essas virtudes que criam coesão e desenvolvimento da sociedade.
FC – Que dinâmica deve ter, então, a pastoral familiar para reforçar as famílias?
C.E.A. – Eu penso que, antes de mais, se deve fazer uma séria preparação para o matrimónio. É importante preparar o matrimónio como um itinerário, um caminho prolongado, doutrinal e prático de vida cristã. De modo que se reavive uma relação pessoal, profunda e convicta com Cristo. Não se pode ser cristão prescindindo de Cristo ou, simplesmente, seguindo valores. O cristão é um discípulo de Cristo, um irmão, um colaborador, um amigo de Cristo. Se Cristo não estiver no horizonte da nossa vida, como é possível ser cristão? Como é possível ser -se cristão se não vamos à missa ao domingo? Além disso, é necessário fazer uma caminhada de conhecimento recíproco das pessoas, com as suas qualidades e também com os seus defeitos, e vermos se somos capazes de aceitar os defeitos dos outros.
FC – Quais são as expectativas para o Encontro Mundial das Famílias, em Milão?
C.E.A. – Há boas perspetivas, mas ainda estamos na fase de preparação. Nos últimos dois dias haverá grandes multidões. O congresso, à partida, está um pouco limitado, sobretudo em relação aos operadores da pastoral familiar; mas há muitos leigos cristãos empenhados e muitos sacerdotes num total que poderá atingir as 5/6 mil pessoas. As inscrições estão em curso e pensamos atingir este número. É importante que os media, como é o vosso caso, divulguem o acontecimento para atingirmos os objetivos.
FC – Um milhão?
C.E.A. – Sim, sim, sobretudo no último dia. Há comunidades novas que prometeram participar com 200 mil pessoas. Os dados estão lançados; estão todos convidados a vir, também os vossos leitores.
FC – E quanto às famílias portuguesas, vale a pena irem a Milão?
C.E.A. – Obviamente que vale a pena ir a Milão, porque será uma experiência muito bela. Virão famílias de muitos países, haverá muitíssimas delegações de uma centena de países, famílias que vêm de todos os continentes, que se encontram, se conhecem, se tornam amigas, trocam experiências de trabalho, de fé, estilos de família, etc. Vai ser possível fazer uma grande experiência da grande família do Povo de Deus que se reencontra com o Papa e, por isso, também à volta de Jesus que ele representa.
As vivências vão ser tantas que darão um grande entusiasmo. Precisamos de fazer a experiência de pequenos grupos e pequenas comunidades, mas queremos também fazer essa experiência como povo que é universal. Depois, os temas do encontro são muito importantes: qual é família autêntica hoje, o trabalho, as necessidades das famílias, as necessidades de conciliar o trabalho com a família, a festa. Sim, a festa que não é menos importante que o trabalho, pois nem só de pão vive o Homem. Precisamos de ter relações com Deus e com os outros, o que não é menos importante do que o pão.
A festa é precisamente um momento de boas relações gratuitas com as outras pessoas. Depois há que considerar a oração, os afetos familiares, o estar juntos em comunidade, o contacto com a natureza: tudo relações não instrumentais em relação a qualquer outra coisa, mas um bem em si mesmas que nos permitem experimentar a alegria de viver. Precisamos de tudo isto.
FC – Em que medida o trabalho pode destruir a família?
C.E.A. – Se vivermos só para o trabalho, a família pode ser destruída. Seria um grande dano se o mercado invadisse o Domingo. O Domingo é importante para a família e para a comunidade. Faz-se festa estando juntos. Enquanto que o repouso e o tempo livre podemos gozá-los sozinhos. O mesmo acontece em relação ao trabalho...
Conheci em tempos um empresário que me disse "eu vivo todos os dias das sete da manhã até à meia noite na minha empresa", e eu respondi-lhe: "Está mal!" [risos]
Entrevista de Agostinho França/Sílvia Júlio
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